sábado, fevereiro 17, 2007

Uma palavra de apreço

Depois de mais uma sessão que nos deixou com a sensação de dever cumprido - na qual houve oportunidade para uma justíssima homenagem à poetisa e artista plástica Maria Almira Medina, a "matriarca das letras sintrenses" - encontramo-nos agora a meio caminho da peregrinação cultural a que nos propusemos.

Agradecemos desde já todos os que nos têm acompanhado, e contribuído para o sucesso e continuidade deste projecto.

Os próximos portos de navegação serão Gouveia, Terrugem, Colares e Sintra, destino e remate natural de uma caminhada poética pelo concelho. Até lá, teremos mais espaço para ler e conversar sobre a poesia portuguesa.

Deixo-vos com a nossa poetisa (e musa inspiradora das Tertúlias, reconheçamos) Maria Almira, com um dos meus preferidos (e mais arrebatadores, considero) poemas na sua obra:




Dies irae

Dois cavalos de fogo pressentem o dia
rasgam a via láctea em busca dos deuses
devoram carneiros astrais
defecam estrelas
na noite incendiada dos demónios.
Dois cavalos de fogo reclamam os prados
gloriosos de cítaras maçãs e mel
em mil fontes de espuma naufragada.
Dois cavalos de fogo germinam desesperados
na crispação das raízes silenciosas
no âmago dos homens desventrados
e nas solidões dos monstros implacáveis
que devoram flores.

Maria Almira Medina
in
Sem Moldura (Sintra, 1996)

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Tertúlia de Poetas de Sintra - tomo V

A Tertúlia de Poetas de Sintra prossegue o seu itinerário poético, passando desta feita por Mem Martins.

A sessão vai ter como ponto de partida um dos mais notáveis poetas de Mem Martins: Raul de Carvalho. Daqui, aproveitaremos para uma breve antologia por alguns dos poetas ligados a esta localidade, com uma justa homenagem a José Bento e a Maria Almira Medina, que assumirá as honras da casa como poetisa local.
Teremos ainda um apontamento sobre Poesia no Feminino, com leitura de autoras várias.

A Tertúlia mantém-se desde o seu início como um evento não oficial, que vive da intervenção espontânea de todos os amantes de poesia.

Como habitual, estão todos convidados para um café mais logo, no Café Fava Rica (ao Atrium Chaby), pela hora habitual.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Raul de Carvalho II


Guio-me
Por teus olhos abertos
Sobre a trêmula e ardente
Superfície das lágrimas.

De tantas coisas
É feito o Mundo!

Entre escombros, espigas, dias e noites
Procuram os homens ansiosamente
O ramo de louro.

Quando, fatigados,
Próximos estão do limiar, do pórtico,
Os homens deixam, à entrada,
Suas mais queridas coisas.

E ei-los que apenas se incomodam,
E se interrogam,
Sobre o modo mais simples
De se despir e adormecer.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Raul de Carvalho


Raul de Carvalho, bardo da solidão, poeta residente em Mem Martins. É ele o ponto de partida para a próxima Tertúlia de Poetas de Sintra. Durante estes dias, convidamo-vos a uma passagem pela sua obra, culminando, e´claro, na próxima sessão das Tertúlias, que decorrerá a 15 de Fevereiro, no Café Fava Rica, ao Atrium Chaby.

Coração sem imagens

Deito fora as imagens,
Sem ti para que me servem
as imagens?

Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em toda a parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica.

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu.

Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém.

Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.

Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei.

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.

E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.