terça-feira, março 27, 2007

Florbela

A Tertúlia de Poetas de Sintra avança agora em direcção à obra de Florbela Espanca, poeta tema da próxima sessão, a decorrer em Pêro Pinheiro. O nosso encontro terá lugar, como habitual, na penúltima 5ª, dia 19 de Abril. Desta feita, o local eleito será o café do Atlético de Pêro Pinheiro. Em representação da poesia e letras locais, contaremos com a presença de Abel Alentejano-Beirão.

A antever a sessão, lançamos alguns aperitivos daquela que é porventura, o maior vulto feminino da poesia portuguesa. Deixamos a abrir o Charneca em Flor, um dos seus grandes e eternos poemas.

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...
Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!
E, nesta febre ansiosa que me invade
Dispo a minha mortalha, o meu bruel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...
Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!


(Florbela Espanca)

quarta-feira, março 21, 2007

Dia Mundial da Poesia (III)

Da Poesia


«Mil poetas arrastam-se e enlanguescem-se prosaicamente, mas a melhor prosa antiga (e semeio-a aqui sem a distinguir dos versos) reluz por toda a parte com o vigor e a ousadia da poesia e representa a imagem do seu furor. Deve-se, certamente, conceder à poesia a superioridade magistral e a primazia no uso da palavra. O poeta, diz, Platão, sentado na trípode das Musas, jorra furiosamente tudo o que lhe vem à boca como a gárgula de uma fonte, sem o ruminar nem ponderar, e escapam dele, em fluxo intermitente, coisas de cor diversa e contrária substância. O próprio Platão é todo ele poético, e dizem os eruditos que era a poesia a teologia antiga e a primitiva filosofia.

É a linguagem original dos deuses.»

(Michel de Montaigne, in Ensaios)

Dia Mundial da Poesia (II)

(Transcrevo o texto que deu origem a este blog)



E no principio era o Verbo.

Camões e Pessoa. Herberto e Al Berto. Gomes Ferreira e Mourão-Ferreira. Sophia e Florbela. O'Neill e Almada. Aleixo e Nobre, Ramos Rosa e Maria Lisboa. Gedeão. Cesariny e Cesário. Bocage e Botto. Garrett e Guerra. Antero, Gomes Leal, Eugénio, Assis Pacheco, Neto Jorge, Graça Moura, Ary dos Santos, Alegre, Sá-Carneiro, Sena, Natália, Nemésio, Régio, Pessanha, Duarte, Pascoaes, Belo, Torga. Peixoto e Adília. E muitos mais.

Todos eles nos reescreveram.

O Traço Comum dá a partir de hoje os seus primeiros passos.

Nasce em paralelo com uma rede de tertúlias poéticas, um ambicioso programa de divulgação cultural distribuido ao longo de nove cafés do concelho de Sintra. O ponto de partida é a poesia portuguesa.

Este passos são dados a partir e ao sabor de um legado cultural que nos enforma enquanto comunidade. Construir uma língua não é fácil. Eles puseram-no em prática. Mostraram-nos o caminho, o exemplo.

A poesia é o início. Contudo, queremos ir em busca de algo mais abrangente. Guia-nos um objectivo: a divulgação - ou sobrevivência - da palavra escrita, do livro, da língua, da cultura. O que quiserem. Sabemos que não temos mais começos (perdoe-me o Steiner).

Não precisamos.

17 de Outubro de 2006

Dia Mundial da Poesia (I)

O perfume de Cynthia também é poesia



Sintra, poesia… e fado.

A combinação não é desprovida de sentido.


Está aberto o convite a todos para uma sessão especial do Traço Comum, celebrando o Dia Mundial da Poesia, hoje, ao Atrium Chaby (em Mem Martins). Como é apanágio das iniciativas do Traço Comum, a entrada é gratuita.

Numa data tão cara a um movimento com a natureza do Traço Comum, iremos destacar e ler, como habitual, alguma da melhor poesia escrita em português, acompanhada desta feita pelo som da guitarra portuguesa, nas mãos e arte de Pedro Alvim.

quinta-feira, março 15, 2007

Tertúlia de Poetas de Sintra - Tomo VI




David Mourão-Ferreira em Gouveia.

«Este cacho de curvas que é o teu corpo», ou o erotismo como secreta viagem da alma, na palavra de Mourão-Ferreira.
É este o nosso próximo ponto de paragem da viagem literária que compõe a Tertúlia de Poetas de Sintra.

Apareçam. A poesia é por conta da casa, já sabem.

terça-feira, março 13, 2007



Paisagem

Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te comtemplar.

Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno desta praia.

E desejei: «Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas!»

Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.

(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)


(David Mourão-Ferreira)

Ainda David



Casa

Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.


(David Mourão-Ferreira)

quarta-feira, março 07, 2007

E por vezes as noites duram meses



E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se enrolam tantos anos.


(David Mourão-Ferreira)

domingo, março 04, 2007

David





(David Mourão-Ferreira)