Florbela
A antever a sessão, lançamos alguns aperitivos daquela que é porventura, o maior vulto feminino da poesia portuguesa. Deixamos a abrir o Charneca em Flor, um dos seus grandes e eternos poemas.
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...
Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!
E, nesta febre ansiosa que me invade
Dispo a minha mortalha, o meu bruel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...
Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!
(Florbela Espanca)