sábado, janeiro 20, 2007

Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007)


Estradas

Por giestas, tojo e trevo
um dia abandonei-me. A medo,
nagiesta roçar a espádua,
e no tojo a pele dos artelhos.
Dor, mágoa nesse caminho,
um dia seco entre montes.

Alcantilado amarelo,
crua miragem, passei
crente do amor e alma
que haviam de jorrar
para os inocentes.
Mas quem me dava
inocência ou magia?

Quem me conduzia
em caminhos de soleiras
de casa a casa vivas,
entre a giesta e o tojo?
Só o trevo me salva
da cega dor. Delíquio
entre flores minhas
que na Primavera
recobrem toda a estrada.

Eu vi, andei, e o meu pacto
de andar caminhos pobres
mais pobre foi no tojo.
Mais belo, alto, na giesta
o corpo consolou-se
e aceitou essa via
ao longo da estrada amarga.

(in Cenas Vivas, Lisboa: Relógio d'Água, 2000)

domingo, janeiro 14, 2007

Tertúlia de Poetas de Sintra - tomo IV



Gomes Ferreira em Rio de Mouro.

Em Janeiro, a Tertúlia de Poetas de Sintra continua a sua viagem literária, encarando agora a poesia como agente de mudança e espelho das grandes trasnformações sociais. Partiremos para esta sessão sob a égide do mote: «O nosso mundo é este, mas há-de ser outro».

Apareçam. A poesia é por conta da casa, já sabem.

terça-feira, janeiro 09, 2007

O nosso mundo é este ...



O nosso mundo é este
Vil suado
Dos dedos dos homens
Sujos de morte.

Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
das nossas sombras.

Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…

Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…

Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.

Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…

O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.

E se soubessem, dariam flor?

Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.

O nosso mundo é este….
( Mas há-de ser outro.)


(José Gomes Ferreira)